sexta-feira, 29 de março de 2013

Figuras de linguagem 3 - Questões discusivas com gabarito comentado





1. (Fuvest)  Leia este texto:

Entre 1808, com a abertura dos portos, e 1850, no auge da centralização imperial, modificara-se a pacata, fechada e obsoleta sociedade. O país europeizava-se, para escândalo de muitos, iniciando um período de progresso rápido, progresso conscientemente provocado, sob moldes ingleses. O vestuário, a alimentação, a mobília mostram, no ingênuo deslumbramento, a subversão dos hábitos lusos, vagarosamente rompidos com os valores culturais que a presença europeia infiltrava, justamente com as mercadorias importadas. O contato litorâneo das duas culturas, uma dominante já no período final da segregação colonial, articula-se no ajustamento das economias. Ao Estado, a realidade mais ativa da estrutura social, coube o papel de intermediar o impacto estrangeiro, reduzindo-o à temperatura e à velocidade nativas.

Raymundo Faoro, Os donos do poder.

a) Considerado o contexto, é inteiramente adequado o emprego, no texto, das expressões “europeizava-se” e “presença europeia”? Explique sucintamente.
b) As palavras “litorâneo” e “temperatura” foram usadas, ambas, no texto, em seu sentido literal? Justifique sua resposta.


Resposta:

a) As expressões “europeizava-se” e “presença europeia” para designar a influência da cultura inglesa no cotidiano da colônia são inadequadas, pois a sociedade brasileira já havia recebido anteriormente a influência da cultura do colonizador português, obviamente, também europeu. 
b) As palavras “litorâneo” e “temperatura” foram usadas em sentido figurado: a primeira refere-se às atividades comerciais realizadas por mar entre as duas nações e a segunda à necessidade de adaptação da cultura estrangeira à realidade local.  



  
2. (Pucrj)  Texto 1

O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
prende-te nela extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu’alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,
de belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
os teus espasmos imortais de louco!

BILAC, Olavo. In: BARBOSA, Frederico (Org.). Clássicos da poesia brasileira. Rio de Janeiro: O Globo, Klick Editora, 1997, pp.163-164.

Texto 2

Casablanca

Te acalma, minha loucura!
Veste galochas nos teus cílios tontos e habitados!
Este som de serra de afiar as facas
não chegará nem perto do teu canteiro de taquicardias...

Estas molas a gemer no quarto ao lado
Roberto Carlos a gemer nas curvas da Bahia
O cheiro inebriante dos cabelos na fila em frente no cinema...

As chaminés espumam pros meus olhos
As hélices do adeus despertam pros meus olhos
Os tamancos e os sinos me acordam depressa na madrugada feita de binóculos de gávea
e chuveirinhos de bidê que escuto rígida nos lençóis de pano

CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Brasiliense, 1982, p.60.

a) Determine as diferenças no emprego da linguagem e na concepção formal entre os poemas de Olavo Bilac e Ana Cristina César.
b) Indique a figura de linguagem presente no seguinte verso do texto 2: “Os tamancos e os sinos me acordam depressa na madrugada feita de binóculos de gávea”.


Resposta:

a) A leitura comparativa dos textos 1 e 2 mostra diferenças significativas entre ambos. Em termos de utilização da linguagem e concepção formal, pode-se afirmar que o texto 1 privilegia a linguagem formal, a dicção grandiloquente e o uso de formas fixas (o soneto), de versos metrificados (decassílabos) e de um esquema regular e simétrico de rimas. Ana Cristina César concebe o seu poema num campo formal e linguístico completamente diferente. Podem-se observar no texto 2 a utilização de um vocabulário mais próximo da coloquialidade e a opção pela liberdade formal, confirmada pelo uso dos versos livres e brancos.
b) Personificação (prosopopeia), metáfora ou metonímia.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
Língua

Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.

No início era tensa,
de tão clássica.

Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.

Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão usado;
nem se arrebenta mais, de tão forte.

Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.

GILBERTO MENDONÇA TELES
Hora aberta: poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1986.  


3. (Uerj)  A segunda e a terceira estrofes retratam a língua em imagens opostas. Ao estado de rigidez se segue o de uma mudança gradual.
Considerando a terceira estrofe, apresente o recurso gramatical que o autor utiliza para exprimir essa gradação e o verso que reafirma a rigidez já expressa na segunda estrofe.


Resposta:

A gradação é sugerida através da repetição do gerúndio (“amaciando”, “tornando”, “incorporando”, “amolecendo”) e a rigidez, no verso “as expressões mais sisudas”.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
As descontroladas

As primeiras mulheres que passaram na calçada da Rio Branco chamavam-se melindrosas. Eram um tanto afetadas, com seu vestido de cintura baixa e longas franjas, mas a julgar por uma caricatura célebre de J. Carlos tinham sempre uma multidão de almofadinhas correndo atrás. O mundo, cem anos depois, mudou pouco no essencial. Diz-se agora que o homem “corre atrás do prejuízo”. De resto, porém, a versão nacional do assim caminha a humanidade segue o mesmo cortejo de sempre pela Rio Branco — com o detalhe que as mulheres trocaram as franjas pelo cós baixo da calça da Gang. E, evidentemente, não são mais chamadas de melindrosas.

Elas já atenderam por vários nomes. Uma “uva” era aquela que, de tão suculenta e bem-feita de curvas, devia abrir as folhas de sua parreira e deliciar os machos com a eternidade de sua sombra. 1Há cem anos as mulheres que circulam pela Rio Branco já foram chamadas de tudo e, diga-se a bem da verdade, algumas atenderam. Por aqui 3passou o “broto”, o “avião”, o “violão”, a “certinha”, o “pedaço”, a “deusa”, a “boazuda”, o “pitéu”, a “gata” e tantas outras que podem não estar mais no mapa, como as mulatas do Sargentelli, mas já estão no Houaiss eletrônico. Houve um momento que, de tão belas, chegaram a ficar perigosas. Chamavam-nas “pedaço de mau caminho” ou “chave de cadeia”. Algumas, de carne tão tenra, eram “frangas”.

Havia, de um modo geral, um louvor respeitoso na identificação de cada um desses tipos que sucederam as melindrosas. Gosto de lembrar daquela, ali pelo início dos 60, que era um “suco”. Talvez porque sucedesse o tipo de “uva” e fosse tão aperfeiçoada no inevitável processo de evolução da espécie que já viesse sem casca e, principalmente, sem os caroços. Sempre prontinhas para beber. De uns tempos para cá, quando se pensava que na esquina surgiria um vinho de safra especial, a coisa avinagrou. As mulheres ficam cada vez mais lindas mas os homens, na hora de homenageá-las, inventam rótulos de carinho duvidoso. O “broto”, o “violão” e o “pitéu” na versão arroba ponto com 2000 era a “popozuda”. Depois, software 2001, veio a “cachorra”, a “sarada”. Pasmem: era elogio. Algumas continuavam atendendo.

Agora está entrando em cena, perfilada num funk do grupo As Panteras — um rótulo que, a propósito, notou a evolução das “gatas” —, a mulher do tipo “descontrolada”. (...). Não é exatamente o que o almofadinha lá do início diria no encaminhamento do eterno processo sedutivo, mas, afinal, homem nenhum também carrega mais almofadas para se sentar no bonde. Sequer bondes 2há. Já fomos “pães”. Muito doce, não pegou. Somos todos lamentáveis “tigrões” em nossa triste sina de matar um leão por dia.

Elas mereciam verbetes melhores, que se lhes ajustassem perfeitos, redondos, como a tal calça da Gang. A língua das ruas anda avacalhando com as nossas “minas”, para usar a última expressão em que as mulheres foram saudadas com delicadeza e exatidão — dentro da mina, afinal, 4cabe tanto a pepita de ouro como a cavidade que se enche de pólvora para explodir e destruir tudo o que estiver em cima.

A deusa da nossa rua, que sempre pisou os astros distraída, não passa hoje de “tchutchuca marombada” ou “popozuda descontrolada”. É pouco para quem caminha nas pedrinhas portuguesas como se São Pedro fosse sobre as águas bíblicas. Algumas delas, uvas do vinho sagrado, santas apenas no aguardo da beatificação vaticana, provocando ainda maior alvoroço, alumbramento e estupefação dos sentidos.

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
O que as mulheres procuram na bolsa: crônicas. Rio de Janeiro: Record, 2004.  


4. (Uerj)  O cronista explica o sentido dos nomes almofadinha e mina, aplicados respectivamente ao homem e à mulher.
Resuma cada uma dessas explicações e identifique a figura de linguagem correspondente ao uso de cada nome.  


Resposta:

O termo “almofadinha”, usado como metonímia, define o indivíduo com base em um hábito que era o de carregar uma almofada para se sentar nos bondes. A palavra “mina” constitui uma metáfora, associando a mulher a algo valioso e que oferece risco de confusão ou destruição.



  
5. (Fuvest)  Leia atentamente este texto:

“Dos púlpitos dessa igreja, o padre Antônio Vieira pronunciara com sua voz de fogo os sermões mais célebres de sua carreira”, escreveu Jorge Amado, protestando [contra o projeto de demolição da igreja da Sé]. Conta Jorge que correu na época [decênio de 1930] a notícia de que o arcebispo embolsou gorjeta grande para permitir que a Companhia Linha Circular de Carris da Bahia abatesse o templo. Não há provas do suborno, é certo, mas o fato é que o arcebispo, em documento assinado por ele mesmo, deu a sua “inteira aquiescência” à obra destrutiva. A irritação anticlerical de Jorge Amado subiu então ao ponto de ele fazer o elogio dos “índios patriotas” que, nos primeiros dias coloniais, haviam realizado uma “experiência culinária” com o bispo Sardinha. Acrescentando ainda que, naquela década de 1930, baiano já não gostava de bispo nem como alimento.

Antonio Risério, Uma história da cidade da Bahia. Adaptado.

a) As expressões “inteira aquiescência” e “índios patriotas”, citadas no texto, procedem, ambas, da mesma fonte (autor que utilizou tais expressões)? Justifique sua resposta.
b) Tendo em vista o contexto, é correto afirmar que a expressão “experiência culinária” é usada com sentido irônico?


Resposta:

a) As expressões “inteira aquiescência” e “índios patriotas” procedem de fontes diferentes. A primeira está associada ao arcebispo que assinou o documento autorizando a demolição da igreja da Sé pela Companhia Linha Circular de Carris da Bahia; a segunda ao próprio Jorge Amado que, irritado com essa atitude, relembrou o fato histórico do ritual antropofágico que vitimou o bispo Sardinha pelos índios, que apelidou de “patriotas”.

b) A expressão “experiência culinária” é altamente irônica, pois associa o ritual antropofágico, costume de caráter religioso que pretendia manifestar respeito pela valentia do inimigo vencido e desejo de absorver assim as suas características, ao prazer da elaboração e degustação dos alimentos.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
SONETO
[Moraliza o poeta nos ocidentes do sol
a inconstância dos bens do mundo]

            Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
            Depois da Luz se segue a noite escura,
            Em tristes sombras morre a formosura,           
            Em contínuas tristezas a alegria.
           
            Porém se acaba o Sol, por que nascia?
            Se formosa a Luz é, por que não dura?
            Como a beleza assim se transfigura?
            Como o gosto da pena assim se fia?
           
            Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
            Na formosura não se dê constância,
            E na alegria sinta-se tristeza.
           
            Começa o mundo enfim pela ignorância,
            E tem qualquer dos bens por natureza
            A firmeza somente na inconstância.

(MATOS, Gregório. Obras completas de Gregório de Matos. Salvador: Janaína, 1969, 7 volumes.)  


6. (Ufrj)  De forma recorrente, o Barroco lança mão de figuras de sintaxe como recurso expressivo.

a) Considerando o terceiro e o quarto versos da primeira estrofe do soneto, explicite as duas figuras de sintaxe que, nesses versos, estão relacionadas aos termos oracionais classificados, tradicionalmente, como essenciais ou básicos.
b) Classifique, quanto à função sintática, os constituintes do último verso da primeira estrofe.


Resposta:

a) As duas figuras de construção sintática são as seguintes: hipérbato (inversão da ordem canônica dos termos sintáticos “em tristes sombras” e “a formosura”, no terceiro verso, e dos termos “em contínuas tristezas” e “a alegria”, no quarto verso); elipse/zeugma (omissão do verbo “morre” no quarto verso).

b) O constituinte “Em contínuas tristezas” exerce função de adjunto adverbial, e o constituinte “a alegria”, função de sujeito.




TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES:
            Daí à pedreira restavam apenas uns cinquenta passos e o chão era já todo coberto por uma farinha de pedra moída que sujava como a cal.
            Aqui, ali, por toda a parte, encontravam-se trabalhadores, uns ao sol, outros debaixo de pequenas barracas feitas de lona ou de folhas de palmeira. De um lado cunhavam pedra cantando; de outro a quebravam a picareta; de outro afeiçoavam lajedos1 a ponta de picão2; mais adiante faziam paralelepípedos a escopro2 e macete2. E todo aquele retintim de ferramentas, e o martelar da forja, e o coro dos que lá em cima brocavam a rocha para lançar-lhe fogo, e a surda zoada ao longe, que vinha do cortiço, como de uma aldeia alarmada; tudo dava a ideia de uma atividade feroz, de uma luta de vingança e de ódio. Aqueles homens gotejantes de suor, bêbedos de calor, desvairados de insolação, a quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra, pareciam um punhado de demônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante que os contemplava com desprezo, imperturbável a todos os golpes e a todos os tiros que lhe desfechavam no dorso, deixando sem um gemido que lhe abrissem as entranhas de granito. O membrudo cavouqueiro3 havia chegado à fralda4 do orgulhoso monstro de pedra; tinha-o cara a cara, mediu-o de alto a baixo, arrogante, num desafio surdo.
            A pedreira mostrava nesse ponto de vista o seu lado mais imponente. Descomposta, com o escalavrado5 flanco exposto ao sol, erguia-se altaneira e desassombrada, afrontando o céu, muito íngreme, lisa, escaldante e cheia de cordas que mesquinhamente lhe escorriam pela ciclópica6 nudez com um efeito de teias de aranha. Em certos lugares, muito alto do chão, lhe haviam espetado alfinetes de ferro, amparando, sobre um precipício, miseráveis tábuas que, vistas cá de baixo, pareciam palitos, mas em cima das quais uns atrevidos pigmeus de forma humana equilibravam-se, desfechando golpes de picareta contra o gigante.
            O cavouqueiro meneou a cabeça com ar de lástima. O seu gesto desaprovava todo aquele serviço.
            – Veja lá! disse ele, apontando para certo ponto da rocha. Olhe para aquilo! Sua gente tem ido às cegas no trabalho desta pedreira. Deviam atacá-la justamente por aquele outro lado, para não contrariar os veios da pedra. Esta parte aqui é toda granito, é a melhor! Pois olhe só o que eles têm tirado de lá – umas lascas, uns calhaus7 que não servem para nada! É uma dor de coração ver estragar assim uma peça tão boa! Agora o que hão de fazer dessa cascalhada que aí está senão macacos8? E brada aos céus, creia! ter pedra desta ordem para empregá-la em macacos!
            O vendeiro escutava-o em silêncio, apertando os beiços, aborrecido com a ideia daquele prejuízo.

Aluísio Azevedo
O cortiço. São Paulo: Ática, 2009.

Vocabulário:
1 lajedos - pedras
2 picão, escopro, macete - instrumentos de trabalho
3 cavouqueiro - aquele que trabalha em minas e pedreiras
4 fralda - parte inferior
5 escalavrado - golpeado, esfolado
6 ciclópica - colossal, gigantesca
7 calhaus - pedras soltas
8 macacos - paralelepípedos


7. (Uerj)  “pareciam um punhado de demônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante que os contemplava com desprezo, imperturbável a todos os golpes e a todos os tiros que lhe desfechavam no dorso”, (2º parágrafo)
Para caracterizar a pedreira, o narrador utiliza várias vezes uma determinada figura de linguagem, como no trecho sublinhado acima.
Identifique essa figura de linguagem e um de seus efeitos estilísticos. Transcreva, em seguida, uma passagem do texto em que a pedreira é descrita sob uma perspectiva diferente.


Resposta:

Trata-se de personificação, prosopopeia ou animismo, recurso expressivo que atribui predicados  humanos a seres inanimados ou irracionais. No texto, a pedreira é dotada de vida, um gigante em duelo com os trabalhadores descritos como “uns atrevidos pigmeus de forma humana” que desfechavam golpes de picareta contra ele. No entanto, a imperícia dos trabalhadores provocava uma sensação de tristeza em Jerônimo que, como cavouqueiro experiente, notava o desperdício na forma como trabalhavam e extraíam as pedras (“Esta parte aqui é toda granito, é a melhor! Pois olhe só o que eles têm tirado de lá – umas lascas, uns calhaus que não servem para nada!”, “É uma dor de coração ver estragar assim uma peça tão boa!”,” E brada aos céus, creia! ter pedra desta ordem para empregá-la em macacos”).



  
8. (Uerj)  Aqueles homens gotejantes de suor, bêbedos de calor, desvairados de insolação, (2º parágrafo)
O enunciado acima apresenta uma sequência de sensações.
Aponte o valor semântico dessa sequência e identifique no texto outro exemplo em que a disposição das palavras produza efeito similar.


Resposta:

A descrição enfatiza o trabalho árduo dos homens que trabalhavam na pedreira, sujeitos ao calor e à sede. Em ordem crescente, o autor usa a gradação em progressão semântica, para exprimir a intensidade desse esforço. O mesmo recurso é utilizado imediatamente a seguir para descrever as ações que provocavam essas sensações (“a quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra”).




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
O sobrevivente

            Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
            Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
            O último trovador morreu em 1914.
            Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
           
            Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
            Se quer fumar um charuto aperte um botão.
            Paletós abotoam-se por eletricidade.
            Amor se faz pelo sem-fio.
            Não precisa estômago para digestão.
           
            Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
            muito para atingirmos um nível razoável de cultura.
            Mas até lá, felizmente, estarei morto.
           
            Os homens não melhoraram
            e matam-se como percevejos.
            Os percevejos heroicos renascem.
            Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
            E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

            (Desconfio que escrevi um poema.)

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Nova reunião: 19 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.


9. (Uerj)  Os dois primeiros versos enfatizam uma ideia que será desconstruída pela leitura integral do poema, caracterizando uma ironia, expressa também no título.
Transcreva o verso do texto que, em comparação com os dois primeiros, revela essa ironia.
Em seguida, estabeleça a relação entre o verso transcrito e o título.


Resposta:

A ironia está presente no último verso: “(Desconfio que escrevi um poema)”. Esta afirmação colide com o que o eu lírico expressa nos primeiros versos, em que nega a possibilidade de se fazer verdadeira poesia perante os acontecimentos que oprimem o homem. Ao longo do poema, o eu lírico questiona o mundo em que vive e expõe as sensações conflitantes que concebe. O terceiro verso, “O último trovador morreu em 1914”, alude ao início da Primeira Guerra Mundial e ao declínio de um fazer poético que vai ter que ser substituído por outro e cujo padrão estético se adivinha nas estrofes subsequentes. O uso de "percevejos", de valor negativo, ao lado de "heroicos", de valor positivo, compõe uma antítese que reforça semanticamente a ironia.




TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO:
TEXTO 1

“Saudações”

Ó ilustríssimos senhores
de modos finos, que saco!
Pelo amor da santa, fora
com vossos salamaleques!

Não quero louros nem busto
e nem meu nome em via
pública.
Não quero as vossas vênias
e rapapés, flores dúbias.
Não quero ser poeta
de que todos se orgulham.

Descaradamente confesso
a quem interessar possa:
Quero é ser a vergonha
da província e da república.

(Transpaixão)

TEXTO 2

“Lisbon revisited (1923)”

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem
conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-a!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

(Ficções do interlúdio)  


10. (Ufes)  Considerando que intertextualidade implica a “utilização de uma multiplicidade de textos ou de partes de textos preexistentes de um ou mais autores, de que resulta a elaboração de um novo texto literário” (Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa), justifique como esse processo ocorre na relação entre os trechos de “Saudações”, do poeta brasileiro contemporâneo Waldo Motta, e de “Lisbon revisited (1923)”, do poeta português modernista Fernando Pessoa.


Resposta:

Em ambos os poemas, o eu-lírico evidencia a sua revolta aos bons-modos, às regras impostas pela sociedade, aos critérios de comportamento e conduta que lhe são impostos: “Ó ilustríssimos senhores / de modos finos, que saco!”, “Não quero ser poeta / de que todos se orgulham.” e “Não me venham com conclusões!”, “Se têm a verdade, guardem-a!”.
Assim, temos dois poetas de épocas distintas, cada qual com as suas peculiaridades, abordando um mesmo assunto e de forma parecida: Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, do Modernismo português, um eterno descontente em conflito com o mundo; e Waldo Motta, poeta brasileiro contemporâneo.
Resumindo, podemos dizer que a revolta perante uma sociedade de aparências, com valores éticos e morais questionáveis para o eu-lírico de cada um dos poemas, e a linguagem exclamativa, irônica e, até mesmo, agressiva são os elementos que promovem o diálogo entre os textos, a intertextualidade. 

Links para questões de outras disciplina: 
  http://araoalves.blogspot.com.br/2013/03/questoes-discusivas-com-gabarito.html

Bons estudos!