1. (Uerj 2013) Mestre
Mestre, são 1plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios 2incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...
À beira-rio,
À beira-estrada,
3Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
|
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.
|
RICARDO REIS
Pessoa, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1999.
(1) plácidas
- calmas
(2) incautos
- desprevenidos
(3) conforme calha - conforme seja
Na 1ª estrofe do poema, para construir o sentido
geral do texto, o poeta faz uma referência à expressão perder tempo, dando-lhe, entretanto, outro sentido,
diferente do usual.
Explique o sentido usual da expressão perder tempo e apresente,
também, o sentido que essa mesma expressão assume no poema.
Resposta:
Na linguagem usual, a
expressão “perder tempo” tem sentido negativo, sugerindo ações inúteis, ou
seja, desenvolver atividades sem proveito algum. No poema, a mesma expressão é
vista de maneira positiva, no sentido de vivenciar melhor o tempo que se tem ou
aceitar a passagem natural do tempo.
2.
(Pucrj 2013) Texto 1
Espalham-se, por fim, as sombras
da noite.
O sertanejo que de nada cuidou,
que não ouviu as harmonias da tarde, nem reparou nos esplendores do céu, que
não viu a tristeza a pairar sobre a terra, que de nada se arreceia,
consubstanciado como está com a solidão, para, relanceia os olhos ao derredor
de si e, se no lagar pressente alguma aguada, por má que seja, apeia-se,
desencilha o cavalo e reunindo logo uns gravetos bem secos, tira fogo do
isqueiro, mais por distração do que por necessidade.
Sente-se deveras feliz. Nada lhe
perturba a paz do espírito ou o bem-estar do corpo. Nem sequer monologa, como
qualquer homem acostumado a conversar.
Raros são os seus pensamentos:
ou rememora as léguas que andou, ou computa as que tem que vencer para chegar
ao término da viagem.
No dia seguinte, quando aos
clarões da aurora acorda toda aquela esplêndida natureza, recomeça ele a
caminhar, como na véspera, como sempre.
Nada lhe parece mudado no
firmamento: as nuvens de si para si são as mesmas. Dá-lhe o Sol, quando muito,
os pontos cardeais, e a terra só lhe prende a atenção, quando algum sinal mais
particular pode servir-lhe de marco miliário na estrada que vai trilhando.
TAUNAY,
Visconde de. Inocência. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000002.pdf>. Acesso
em: 20 set. 2012.
Texto 2
Na planície avermelhada, os
juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia
inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como
haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três
léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros
apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar,
Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na
cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa
correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais
velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se,
recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
– Anda, condenado do diabo,
gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado,
fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado,
depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas
pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os
quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A caatinga estendia-se, de um
vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro
dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
– Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e
Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém
pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação
da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas
dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
RAMOS,
Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 1986, pp. 9-10.
a) Há uma série de
pontos que aproximam e distanciam o texto 1 do texto 2. Comente, utilizando as
suas próprias palavras, as diferenças que podem ser percebidas em relação à
tipologia humana e à descrição da natureza nas duas narrativas.
b) A partir da
identificação do estilo de época a que o Visconde de Taunay e Graciliano Ramos
estão filiados, discuta, tomando como referência os textos acima, a visão que
ambos têm da figura do sertanejo, personagem emblemática na Literatura
Brasileira.
Resposta:
a) No texto de Taunay, o sertanejo é
representado como destemido e corajoso, acolhido por uma natureza exuberante.
No texto de Graciliano, o homem cansado, faminto e miserável, é repelido pela
aridez da natureza.
b) Na visão romântica de
Taunay há uma idealização da figura do sertanejo, caracterizado muitas vezes
como um herói integrado à natureza. Na visão modernista de Graciliano, o
sertanejo é apresentado como vítima de um processo de exploração e degradação
político-social.
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
Texto 1
A história dos povos está atravessada pela
viagem, como realidade ou metáfora. 1Todas as formas de sociedade,
compreendendo tribos e clãs, nações e nacionalidades, colônias e impérios,
trabalham e retrabalham a viagem, seja como modo de descobrir o “outro”, seja
como modo de descobrir o “eu”. É como se a viagem, o viajante e a sua narrativa
revelassem todo o tempo o que se sabe e o que não se sabe, o conhecido e o
desconhecido, o próximo e o remoto, o real e o virtual. A viagem pode ser breve
ou demorada, instantânea ou de longa duração, delimitada ou interminável,
passada, presente ou futura. Também pode ser peregrina, mercantil ou
conquistadora, tanto quanto turística, missionária ou aventurosa. Pode ser
filosófica, artística ou científica. Em geral, a viagem compreende várias
significações e conotações, simultâneas, complementares ou mesmo
contraditórias. São muitas as formas das viagens reais ou imaginárias,
demarcando momentos ou épocas mais ou menos notáveis da vida de indivíduos,
famílias, grupos, coletividades, povos, tribos, clãs, nações, nacionalidades,
culturas e civilizações. São muitos os que buscam o desconhecido, a experiência
insuspeitada, a surpresa da novidade, a tensão escondida nas outras formas de
ser, sentir, agir, realizar, lutar, pensar ou imaginar.
IANNI, Octavio.
A metáfora da viagem. In: IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 13-14.
3.
(Pucrj 2013) Responda.
a) Identifique, no trecho
abaixo, a palavra que denota uma ação recorrente das sociedades no tratamento
do tema viagem.
“Todas as formas de sociedade, compreendendo tribos e clãs, nações e
nacionalidades, colônias e impérios, trabalham e retrabalham a viagem, seja
como modo de descobrir o ‘outro’, seja como modo de descobrir o ‘eu’.” (ref.
1)
b) Segundo Octavio Ianni, “a
viagem compreende várias significações e conotações, simultâneas,
complementares ou mesmo contraditórias”. Ao longo do texto, o autor relaciona a
noção de viagem a traços distintos e opostos entre si.
Observando os recursos coesivos empregados, faça o que é pedido a
seguir.
i. Transcreva a passagem em
que esses traços distintos estão contidos simultaneamente na noção de viagem.
ii. Transcreva a passagem em
que esses traços distintos são postos de forma excludente na caracterização de
viagem.
c) Mantendo o sentido
original, reescreva a frase abaixo sem empregar a expressão em destaque. Faça
alterações, se necessárias.
“A viagem também pode ser peregrina,
mercantil ou conquistadora, tanto quanto turística, missionária ou
aventurosa”.
Resposta:
a)
Retrabalham ou descobrir.
b)
i. “É como se a viagem, o viajante e a sua
narrativa revelassem todo o tempo o que se sabe e o que não se sabe, o
conhecido e o desconhecido, o próximo e o remoto, o real e o virtual.”
ii. “A viagem pode ser breve ou demorada,
instantânea ou de longa duração, delimitada ou interminável, passada, presente
ou futura.”
c) A viagem também pode ser
peregrina, mercantil ou conquistadora, assim como/ bem como/da mesma
forma que turística, missionária ou aventurosa.
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
Língua
Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.
No início era tensa,
de tão clássica.
Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.
Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão usado;
nem se arrebenta mais, de tão forte.
Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.
GILBERTO
MENDONÇA TELES
Hora aberta: poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1986.
4.
(Uerj 2013) A terceira estrofe do poema
Língua faz referência a uma
importante transformação na expressão literária da língua portuguesa no Brasil.
Identifique o movimento artístico que se
relaciona diretamente com essa transformação, situando-o cronologicamente. Em
seguida, transcreva um trecho que comprove essa transformação e explique-o.
Resposta:
Trata-se do
Romantismo brasileiro de cunho nativista, movimento artístico vinculado à
segunda metade do século XIX, em que os escritores incorporavam palavras
regionais e indígenas à língua portuguesa (“incorporando os termos nativos”), adequando-a à realidade e à natureza
brasileiras (“amolecendo nas folhas de bananeira / as expressões mais sisudas”).
TEXTO PARA A
PRÓXIMA QUESTÃO:
As
descontroladas
As primeiras mulheres que
passaram na calçada da Rio Branco chamavam-se melindrosas. Eram um tanto
afetadas, com seu vestido de cintura baixa e longas franjas, mas a julgar por
uma caricatura célebre de J. Carlos tinham sempre uma multidão de almofadinhas
correndo atrás. O mundo, cem anos depois, mudou pouco no essencial. Diz-se
agora que o homem “corre atrás do prejuízo”. De resto, porém, a versão nacional
do assim caminha a humanidade segue o mesmo cortejo de sempre pela Rio Branco —
com o detalhe que as mulheres trocaram as franjas pelo cós baixo da calça da
Gang. E, evidentemente, não são mais chamadas de melindrosas.
Elas já atenderam por vários
nomes. Uma “uva” era aquela que, de tão suculenta e bem-feita de curvas, devia
abrir as folhas de sua parreira e deliciar os machos com a eternidade de sua
sombra. 1Há cem anos as mulheres que circulam pela Rio Branco já
foram chamadas de tudo e, diga-se a bem da verdade, algumas atenderam. Por aqui
3passou o “broto”, o “avião”, o “violão”, a “certinha”, o “pedaço”,
a “deusa”, a “boazuda”, o “pitéu”, a “gata” e tantas outras que podem não estar
mais no mapa, como as mulatas do Sargentelli, mas já estão no Houaiss
eletrônico. Houve um momento que, de tão belas, chegaram a ficar perigosas.
Chamavam-nas “pedaço de mau caminho” ou “chave de cadeia”. Algumas, de carne
tão tenra, eram “frangas”.
Havia, de um modo geral, um
louvor respeitoso na identificação de cada um desses tipos que sucederam as
melindrosas. Gosto de lembrar daquela, ali pelo início dos 60, que era um
“suco”. Talvez porque sucedesse o tipo de “uva” e fosse tão aperfeiçoada no
inevitável processo de evolução da espécie que já viesse sem casca e,
principalmente, sem os caroços. Sempre prontinhas para beber. De uns tempos
para cá, quando se pensava que na esquina surgiria um vinho de safra especial,
a coisa avinagrou. As mulheres ficam cada vez mais lindas mas os homens, na
hora de homenageá-las, inventam rótulos de carinho duvidoso. O “broto”, o
“violão” e o “pitéu” na versão arroba ponto com 2000 era a “popozuda”. Depois,
software 2001, veio a “cachorra”, a “sarada”. Pasmem: era elogio. Algumas
continuavam atendendo.
Agora está entrando em cena,
perfilada num funk do grupo As Panteras — um rótulo que, a propósito, notou a
evolução das “gatas” —, a mulher do tipo “descontrolada”. (...). Não é
exatamente o que o almofadinha lá do início diria no encaminhamento do eterno
processo sedutivo, mas, afinal, homem nenhum também carrega mais almofadas para
se sentar no bonde. Sequer bondes 2há. Já fomos “pães”. Muito doce,
não pegou. Somos todos lamentáveis “tigrões” em nossa triste sina de matar um
leão por dia.
Elas mereciam verbetes melhores,
que se lhes ajustassem perfeitos, redondos, como a tal calça da Gang. A língua
das ruas anda avacalhando com as nossas “minas”, para usar a última expressão
em que as mulheres foram saudadas com delicadeza e exatidão — dentro da mina,
afinal, 4cabe tanto a pepita de ouro como a cavidade que se enche de
pólvora para explodir e destruir tudo o que estiver em cima.
A deusa da nossa rua, que sempre
pisou os astros distraída, não passa hoje de “tchutchuca marombada” ou
“popozuda descontrolada”. É pouco para quem caminha nas pedrinhas portuguesas
como se São Pedro fosse sobre as águas bíblicas. Algumas delas, uvas do vinho
sagrado, santas apenas no aguardo da beatificação vaticana, provocando ainda
maior alvoroço, alumbramento e estupefação dos sentidos.
JOAQUIM
FERREIRA DOS SANTOS
O que as mulheres procuram na bolsa: crônicas.
Rio de Janeiro: Record, 2004.
5.
(Uerj 2013) Ao enumerar e comentar as
designações antigas e atuais aplicadas à mulher, o cronista estabelece uma
diferença de épocas na maneira de representar a beleza feminina.
Explicite essa diferença e
transcreva uma designação típica de cada uma das épocas retratadas no texto.
Resposta:
Até certo momento, as
designações expressavam delicadeza (melindrosa, uva, suco, pitéu, broto, mina,
avião, violão, certinha, pedaço, deusa, gata, franga), mas, atualmente,
tornaram-se menos delicadas e até depreciativas (“cachorra”, “sarada”,
“tchutchuca marombada”, “popozuda descontrolada”).
TEXTO PARA AS PRÓXIMAS
2 QUESTÕES:
Inocência
Depois das explicações dadas ao
seu hóspede, sentiu-se o mineiro mais despreocupado.
— Então, disse ele, se quiser,
vamos já ver a nossa doentinha.
— Com muito gosto, concordou
Cirino.
E, saindo da sala, acompanhou
Pereira, que o fez passar por duas cercas e rodear a casa toda, antes de tomar
a porta do fundo, fronteira a magnífico laranjal, naquela ocasião todo pontuado
das brancas e olorosas flores.
1— Neste lugar,
disse o mineiro apontando para o pomar, todos os dias se juntam tamanhos bandos
de graúnas, que é um barulho dos meus
pecados. Nocência gosta muito disso e vem sempre coser debaixo do arvoredo. É
uma menina esquisita...
Parando no limiar da porta,
continuou com expansão:
2— Nem o Sr.
imagina... Às vezes, aquela criança tem lembranças e perguntas que me fazem embatucar...
Aqui, havia um livro de horas da
minha defunta avó... Pois não é que 3um belo dia ela me pediu que
lhe ensinasse a ler? ... Que ideia! Ainda há pouco tempo me disse que quisera
ter nascido princesa... Eu lhe retruquei: E sabe você o que é ser princesa?
Sei, me secundou ela com toda a
clareza, é uma moça muito boa, muito bonita, que tem uma coroa de diamantes na
cabeça, muitos lavrados no pescoço e
que manda nos homens... Fiquei meio tonto. 4E se o Sr. visse os modos
que tem com os bichinhos?! ... Parece que está falando com eles e que os
entende... (...) Quando Cirino penetrou no quarto da filha do mineiro, era
quase noite, de maneira que, no primeiro olhar que atirou ao redor de si, só
pôde lobrigar, além de diversos
trastes de formas antiquadas, uma dessas camas, muito em uso no interior; altas
e largas, feitas de tiras de couro engradadas. (...)
Mandara Pereira acender uma vela
de sebo. Vinda a luz, aproximaram-se ambos do leito da enferma que, achegando
ao corpo e puxando para debaixo do queixo uma coberta de algodão de Minas, se
encolheu toda, e voltou-se para os que entravam.
— Está aqui o doutor, disse-lhe
Pereira, que vem curar-te de vez.
— Boas noites, dona, saudou
Cirino.
Tímida voz murmurou uma
resposta, ao passo que o jovem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo junto à cama e tomava o pulso à
doente.
Caía então luz de chapa sobre
ela, iluminando-lhe o rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço
vermelho atado por trás da nuca.
Apesar de bastante descorada e
um tanto magra, era Inocência de beleza deslumbrante.
Do seu rosto, irradiava singela
expressão de encantadora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno
que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as
pálpebras, e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces.
Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a
boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado.
Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob
o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando nu um colo
de fascinadora alvura, em que ressaltava um ou outro sinal de nascença.
Razões de sobra tinha, pois, o pretenso facultativo para sentir a mão fria e um
tanto incerta, e não poder atinar com o pulso de tão gentil cliente.
VISCONDE DE
TAUNAY
Inocência. São Paulo: Ática, 2011.
graúna – pássaro de plumagem
negra, canto melodioso e hábitos eminentemente sociais
livro de
horas –
livro de preces
secundou – respondeu
lavrados – na província de Mato
Grosso, colares de contas de ouro e adornos de ouro e prata
lobrigar – enxergar
escabelo – assento
facultativo – médico
6.
(Uerj 2013) A caracterização de
Inocência confirma só parcialmente a idealização da heroína romântica.
Indique uma característica que Inocência
apresenta em comum com as heroínas românticas e outra que a torna diferente
dessas heroínas.
Resposta:
A personagem Inocência
apresenta características românticas como o fato de ser sonhadora, querer ser
princesa, possuir uma beleza deslumbrante e aparência física frágil. No
entanto, o fato de ser iletrada, viver no campo e querer aprender a ler
distancia-a desse perfil idealizado.
7.
(Uerj 2013) — Neste
lugar, disse o mineiro apontando para o pomar, todos os dias se juntam tamanhos
bandos de graúnas, que é um barulho dos meus pecados. Nocência gosta muito
disso e vem sempre coser debaixo do arvoredo. (ref. 1)
Nesta passagem, há duas palavras, de mesma
classificação gramatical, empregadas pelo locutor para indicar a proximidade ou
distância do elemento a que se referem.
Cite essas palavras e identifique sua
classificação gramatical.
Transcreva o trecho em que
uma dessas palavras se refere a uma informação presente no próprio texto.
Resposta:
Os pronomes (n)este e
(d)isso são usados pelo locutor para indicar a proximidade ou distância do
elemento a que se referem, como em “Neste lugar” e “Nocência gosta muito
disso”.
TEXTO PARA AS
PRÓXIMAS 2 QUESTÕES:
As questões tomam por base uma crônica de
Clarice Lispector (1925-1977) e uma passagem do Manual do Roteiro, do
professor de Técnica do roteiro, consultor e conferencista Syd Field.
Escrever
Eu disse uma vez que
escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com
sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva.
Não estou me referindo
muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se
transformar num conto ou num romance. É uma maldição porque obriga e arrasta
como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, pois nada o
substitui. E é uma salvação.
Salva a alma presa, salva a
pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a
menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o
irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas
vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.
Que pena que só sei
escrever quando espontaneamente a “coisa” vem. Fico assim à mercê do tempo. E,
entre um verdadeiro escrever e outro, podem-se passar anos.
Lembro-me agora com saudade
da dor de escrever livros.
(Clarice
Lispector. A descoberta do mundo, 1999.)
Escrevendo o roteiro
Escrever um roteiro é um
fenômeno espantoso, quase misterioso. Num dia você está com as coisas sob controle,
no dia seguinte sob o controle delas, perdido em confusão e incerteza. Num dia
tudo funciona, no outro não; ninguém sabe como ou por quê. É o processo
criativo; que desafia análises; é mágica e maravilha.
Tudo o que foi dito ou
registrado sobre a experiência de escrever desde o início dos tempos resume-se
a uma coisa — escrever é sua experiência particular, pessoal. De ninguém mais.
Muita gente contribui para
a feitura de um filme, mas o roteirista é a única pessoa que se senta e encara
a folha de papel em branco.
Escrever é trabalho duro,
uma tarefa cotidiana, de sentar-se diariamente diante de seu bloco de notas,
máquina de escrever ou computador, colocando palavras no papel. Você tem que
investir tempo.
Antes de começar a
escrever, você tem que achar tempo para escrever.
Quantas horas por dia você
precisa dedicar-se a escrever?
Depende de você. Eu
trabalho cerca de quatro horas por dia, cinco dias por semana. John Millius
escreve uma hora por dia, sete dias por semana, entre 5 e 6 da tarde. Stirling Silliphant,
que escreveu The Towering Inferno (Inferno na Torre), às vezes escreve 12 horas
por dia. Paul Schrader trabalha com a história na cabeça por meses, contando-a
para as pessoas até que ele a conheça completamente; então ele “pula na
máquina” e a escreve em cerca de duas semanas. Depois ele gastará semanas
polindo e consertando a história.
Você precisa de duas a três
horas por dia para escrever um roteiro.
Olhe para a sua agenda
diária. Examine o seu tempo. Se você trabalha em horário integral, ou cuidando
da casa e da família, seu tempo é limitado. Você terá que achar o melhor
horário para escrever. Você é o tipo de pessoa que trabalha melhor pela manhã?
Ou só vai acordar e ficar alerta no final da tarde? Tarde da noite pode ser um
bom horário. Descubra.
(Syd Field. Manual do roteiro, 1995.)
8.
(Unesp 2013) Mas escrever aquilo que
eventualmente pode se transformar num conto ou num romance.
Ao empregar na frase apresentada o advérbio eventualmente,
o que revela Clarice Lispector sobre a criação de um conto ou romance?
Resposta:
Clarice Lispector revela
que a criação de um conto ou romance depende de acontecimentos incertos, casuais,
fortuitos.
9.
(Unesp 2013) Clarice Lispector coloca
inicialmente o processo da criação literária como uma maldição. Em
seguida, ressalva que é também uma salvação.
Com base no texto da
crônica, explique como a autora resolve essa diferença de conceitos sobre a
criação literária.
Resposta:
Clarice Lispector afirma
que o processo de criação literária: “É
uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase
impossível se livrar, pois nada o substitui.”. No entanto, logo depois, afirma
que: “E é uma salvação. Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil,
salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva”. Isso
porque “Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é
sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador.
Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada”. Assim, a autora
trabalha os conceitos de forma paradoxal.
10. (Unicamp 2012) Os excertos abaixo foram
extraídos do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente.
(...) FIDALGO: Que leixo na outra vida
quem reze sempre por mi.
DIABO: (...) E tu viveste a teu prazer,
cuidando cá guarecer
por que rezem lá por ti!...(...)
ANJO: Que querês?
FIDALGO: Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do paraíso
é esta em que navegais.
ANJO: Esta é; que me demandais?
FIDALGO: Que me leixês embarcar.
sô fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.
ANJO: Não se embarca tirania
neste batel divinal.
FIDALGO: Não sei por que haveis por mal
Que entr’a minha senhoria.
ANJO: Pera vossa fantesia
mui estreita é esta barca.
FIDALGO: Pera senhor de tal marca
nom há aqui mais cortesia? (...)
ANJO: Não vindes vós de maneira
pera ir neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará
e o rabo caberá
e todo vosso senhorio.
Vós irês mais espaçoso
com fumosa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso;
e porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso.
(…)
SAPATEIRO: (...) E pera onde é a viagem?
DIABO: Pera o lago dos danados.
SAPATEIRO: Os que morrem confessados,
onde têm sua passagem?
DIABO: Nom cures de mais linguagem!
Esta é a tua barca, esta!
(...) E tu morreste excomungado:
não o quiseste dizer.
Esperavas de viver,
calaste dous mil enganos...
tu roubaste bem trint'anos
o povo com teu mester. (...)
SAPATEIRO: Pois digo-te que não quero!
DIABO: Que te pês, hás-de ir, si, si!
SAPATEIRO: Quantas missas eu ouvi,
não me hão elas de prestar?
DIABO: Ouvir missa, então roubar,
é caminho per'aqui.
(Gil Vicente, Auto da barca do inferno, em Cleonice Berardinelli (org.),
Antologia do teatro de Gil Vicente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira;
Brasília: INL, 1984, p. 57-59 e 68-69.)
a) Por que razão específica o fidalgo é condenado a seguir na barca do
inferno? E o sapateiro?
b) Além das faltas
específicas desses personagens, há uma outra, comum a ambos e bastante
praticada à época, que Gil Vicente condena. Identifique essa falta e indique de
que modo ela aparece em cada um dos personagens.
Resposta:
a)
As personagens desta obra são divididas em dois grupos: as alegóricas e as
personagens-tipo. No primeiro grupo inserem-se o Anjo e o Diabo, representando
respectivamente o Bem e o Mal, o Céu e o Inferno. No segundo grupo incluem-se
todas as restantes, nomeadamente o fidalgo D. Anrique e o sapateiro Joanantão, personagens
que, como todas as outras, trazem elementos simbólicos que representam os seus
pecados na vida terrena e dos quais não conseguiram libertar-se. O fidalgo
veste um longo manto vermelho e vem acompanhado de um criado que porta uma
cadeira, elementos que simbolizam a vaidade e a arrogância. O sapateiro
transporta o avental e formas para fazer sapatos, símbolos da exploração
interesseira da classe burguesa comercial.
b) Tanto o fidalgo quanto o
sapateiro acreditavam que os rituais recomendados pela igreja católica para
salvação da alma eram garantia absoluta para entrar no Paraíso, o que é
desmentido pelo diabo. O fidalgo usa o argumento de que deixou na terra alguém
que reza por ele (“Que leixo na outra vida /quem reze sempre por mi”) e o
sapateiro alega que o fato de ter ouvido missas e se ter confessado antes de
morrer lhe assegurariam a entrada no Céu (“Os que morrem confessados, /onde têm
sua passagem?”, “Quantas missas eu ouvi, /não me hão elas de prestar?”).
Link para questões de de outras disciplinas:
Bons estudos!
Muito bons os exercícios. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, muito bom que tenha gostado!!
ResponderExcluirMuito bom me ajudou bastante muito obrigado por compartilhar essas relíquias.
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